Um texto de Luiz Antônio Simas, mestre em História Social pela UFRJ
Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto.
Soube
dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O
cravo brigou com a rosa_. A explicação foi comovente: a briga entre o
cravo e a rosa estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o
cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a
rosa ficou encantada".
Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria
da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa
faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de
temas recolhidos no folclore brasileiro?
É Villa Lobos, cacete!
Comunico também que não se pode
mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o
desejo de maltratar os bichinhos.
Quem entra na roda dança,
nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um.
Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de
marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade
social entre os homens.
Dia desses alguém [foi espinafrado porque disse que ecologia era,
nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia,
de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a
alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e
poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico
leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha
louca, diria o velho.
Vivemos tempos de não me toques que eu magôo.
Daqui a
pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de
chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo
picolé de asfalto - de afrodescendente. O branquelo - o famoso Omo
total de cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. O
gordo - outrora conhecido como rolha de poço e Orca, baleia assassina é o
cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado
de Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã
de piolho e pouca telha.
Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o
Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha
necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a
morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.
Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde.
Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do Pé Junto.
0 Comentários