COISAS DO BRASIL
“Num bar à
beira-mar
No verde-azul do Rio de Janeiro...”
Guilherme Arantes/Nelson Motta
Nelson
Menda
É um privilégio
poder viver em um país sem furacões, terremotos ou
vulcões. Em uma nação gigantesca e extremamente
fértil, considerada o verdadeiro celeiro da
humanidade. Que consegue agregar à maior floresta
tropical do mundo suas imensas reservas submarinas de
petróleo, fato que a torna auto-suficiente em uma
época de escassez dessa preciosa e limitada fonte de
energia.
Que possui
incomensuráveis mananciais de água doce, o
petróleo do amanhã, tanto na superfície quanto no
subsolo. Que apresenta um extenso litoral, com 8.000
quilômetros de praias, algumas delas de cair o
queixo. Um país que se orgulha em ostentar o
título de maior nação cristã do mundo, desde o seu
descobrimento pelos portugueses, católicos apostólicos
romanos, há cinco séculos. Êpa, eu disse católicos
apostólicos romanos?
Peço desculpas aos
leitores e à imensa legião de cristãos do país, mas acho
que me equivoquei nesse último tópico. E já
explico o porquê.
A ERA DOS DESCOBRIMENTOS
Apenas três anos
antes do descobrimento do Brasil o número de judeus em
Portugal ultrapassava a casa dos 10% da população. Cem
mil judeus expulsos da Espanha em 1492 tinham procurado
refúgio no país vizinho, pela própria proximidade
geográfica, vindo se somar à já existente e
próspera coletividade israelita do país. Portugal,
à época, tinha uma população estimada em um milhão de
habitantes.
Por volta de 1496,
quatro anos após a chegada dessa numerosa e qualificada
leva migratória à terrinha, D. Manuel, o Venturoso, tido
como “muy amigo” dos judeus, pediu a mão da filha dos
Reis de Espanha, Isabel e Fernando, cujos nomes
provocam, até hoje, arrepios em muitos
sefaradis.
A princesa, que
não era esbelta nem esperta, foi buscar orientação com
seu confessor, o temível Torquemada, que proibiu
terminantemente sua entrada em solo português
enquanto existissem judeus no país. D.
Manuel estava em uma sinuca de bico.
Por um lado,
precisava dos judeus, alfabetizados, cultos, poliglotas,
em cujo seio era possível encontrar médicos,
astrônomos, tradutores e artesãos experientes no manejo
do couro e dos metais, em uma época em que Portugal se
lançava aos grandes descobrimentos marítimos e precisava
dessa mão de obra altamente qualificada.
Por outro, o
soberano português temia, com justa razão, a presença ao
seu lado de uma Espanha militarizada e agressiva
que acabara de conquistar a Andaluzia aos árabes e
expulsar os judeus do país. Espanha essa que
possuía população e território muitas vezes
superior ao de Portugal, um pequeno país espremido
entre o mar e seu nada amistoso vizinho.
BATISMO EM PÉ
Com esse
casamento, D. Manuel esperava matar dois coelhos
de uma só vez. Além de constituir família e garantir a
continuidade da sua dinastia, afastava, pelo menos
momentaneamente, a ameaça de uma anexação de Portugal
pela Espanha. Todavia, como resolver a delicada questão
dos judeus, de que ele tanto precisava?
No domingo de
Ramos de 1497 D. Manuel convidou os
israelitas da capital portuguesa para um grande encontro
na Praça do Comércio, bem em frente ao Tejo, com a
promessa de que embarcariam em navios que os levariam à
Terra Santa, sonho da imensa maioria dos
judeus ibéricos.
Ao mesmo tempo, em
segredo, convocou o maior número possível de
padres, a quem foi distribuída uma grande quantidade da
assim chamada água benta, no episódio conhecido como
“batismo em pé”.
Enquanto os
religiosos católicos aspergiam a água dita santa
sobre a multidão que se acotovelava no cais, D. Manuel,
feliz da vida, enviava seu emissário à corte espanhola
para avisar que não havia mais judeus em Portugal, só
cristãos.
E os judeus, olhos
fixos no horizonte, “ficaram a ver navios”, pois além de
ludibriados com a falsa promessa da viagem à Terra
Prometida, ainda tinham sido convertidos, contra a
vontade, em cristãos.
Cristãos de
segunda classe, diga-se de passagem, pois estavam
proibidos de ocupar cargos no governo, no clero e na
oficialidade militar.
Esse
lamentável episódio se, por um lado, evidenciou
uma atitude de total desrespeito à liberdade
religiosa em relação a uma parcela ponderável da
população, por outro serviu para deixar uma marca
indelével e inequívoca da presença judaica na formação
do inconsciente coletivo de portugueses e brasileiros, o
que pode ser constatado ao se analisar certos hábitos,
muitos provérbios e até mesmo algumas
estranhas superstições que se incorporaram à nossa
maneira de ser.
A própria
expressão “ficar a ver navios”, para citar um
exemplo, acabou sendo agregada ao vocabulário
popular, servindo para designar uma situação de promessa
não cumprida, de enganação, de desejo frustrado.
Teria sido esse
“ficar a ver navios” a única evidência da presença
judaica no dia-a-dia da população luso-brasileira, de
suposta maioria cristã?
Claro que não e o
objetivo deste artigo é exatamente o de utilizar
artifícios freudianos para resgatar, dos profundos
e nebulosos meandros do inconsciente para o estado
de consciência plena, uma série de fatos que
evidenciam, de forma cabal e inequívoca, a forte
presença judaica nos hábitos da população brasileira.
“PÃO-DURISMO
MINEIRO”:
MITO OU REALIDADE?
Os judeus
participaram de todos os ciclos da economia brasileira,
inclusive o do ouro e pedras preciosas das Minas Gerais.
Obrigados a se
manter no anonimato, para não serem denunciados à
Inquisição e ao mesmo tempo preocupados em seguir
as regras dietéticas da kashrut (1),
desenvolveram um mobiliário que permitia agradar a
gregos e troianos, que é a famosa “mesa com gavetas” dos
mineiros.
Em que
consistia? Muito simples: as mesas das
cozinhas e copas onde eram realizadas as refeições
dispunham de gavetas estrategicamente dispostas no lugar
onde os comensais deveriam sentar.
A cada refeição,
eram preparados dois pratos para cada pessoa.
Um, taref
(2), para inglês ver, no caso de chegar alguma
visita inesperada, composto pelos alimentos habituais da
cozinha mineira, como lingüiça, torresmo, leitão e
outros quitutes que, além de seu elevado teor calórico,
eram proibidos aos judeus.
O outro prato
continha os alimentos preparados segundo a tradição
judaica de não misturar carne com leite e
derivados, de evitar a ingestão de crustáceos e peixes
sem escamas e uma série de outras recomendações,
especialmente a de não consumir carne ou gordura de
porco.
E era um tal de
bota e tira os pratos nas tais gavetas a cada
aproximação de um estranho que o zé povinho acabou
forjando a lenda de que os mineiros eram pão-duros, pois
preparavam dois tipos de comida. Uma, de melhor
qualidade e sabor, para o pessoal da casa e outra, mais
simples, para o caso de chegar uma visita
inesperada.
O FESTIVAL DA
ALHEIRA
Quem freqüenta, no
Rio, as Sinagogas Shel Guemilut ou ARI, já teve a
oportunidade de passar pela frente de um tradicional
restaurante português localizado nas proximidades.
Esse
estabelecimento costuma realizar, todos os anos,
um Festival da Alheira, ansiosamente aguardado
pelos apreciadores da boa mesa. Mas afinal, o que
vem a ser a alheira?
Uma das evidências
para um judeu ser denunciado à Inquisição era o fato de
não comer carne suína, especialmente os embutidos com
ela preparados, como o presunto, os salames e as
lingüiças.
Uma casa
portuguesa genuinamente cristã deveria exibir,
penduradas e à vista de todos, fieiras de embutidos de
porco preparados com essa carne considerada impura
pelas leis dietéticas judaicas.
Os israelitas
portugueses, especialmente das regiões da Beira Alta e
Trás os Montes, logo se deram conta do risco que corriam
ao não exibir essa tradicional – e proibida – iguaria no
entorno de suas casas.
Criaram uma falsa
lingüiça que, ao invés do porco utilizava carne de
gado.
No lugar do
toucinho, de cor branca, colocavam nacos de pão e, para
mascarar o cheiro, folhas de um arbusto da região de
nome alheira que possuía um forte odor, semelhante ao do
alho.
Além de afastada a
razão para uma possível denúncia, estava
criado um novo e delicioso prato, que até hoje faz a
festa em muitas casas e estabelecimentos especializados
em culinária regional portuguesa.
Mas atenção, antes
de pedir uma alheira em um restaurante de comida
portuguesa, bata um papo com o maitre a respeito
do seu conteúdo, pois muitos fabricantes do produto,
desinformados sobre a origem e o valor histórico da
iguaria, acabaram substituindo a carne bovina
por....adivinhe...nada mais nada menos do que....porco.
PASSAR A MÃO NA CABEÇA
Quem já não ouviu
ou pronunciou a expressão “passar a mão na cabeça”, que
significa proteger ou mesmo fazer vista grossa para um
determinado fato?.
Se o leitor
suspeita que essa frase esteja relacionada ao ato
judaico de abençoar alguém colocando as duas mãos sobre
sua cabeça ao mesmo tempo em que se pronuncia uma
breve oração em hebraico, está redondamente acertado. É
mais uma prova da influência judaica na cultura popular
brasileira.
VESTIR A
CARAPUÇA
É uma expressão
com origem trágica, pois remonta ao obscuro período da
Inquisição em que os condenados eram obrigados a vestir
trajes ridículos ao comparecer aos julgamentos e Autos
de Fé. Além do sambenito, túnica com o
formato de um poncho, precisavam colocar
sobre a cabeça um longo e ponteagudo chapéu,
conhecido como carapuça. A frase “vestir a carapuça”
acabou sendo incorporada ao português escrito e falado
com o sentido de “assumir a
culpa”.
NÃO APONTAR PARA AS ESTRELAS
Apontar para uma
estrela, segundo o conceito popular, poderia
causar o surgimento de uma verruga na extremidade do
dedo infrator. Qual a origem dessa crendice?
É fácil de
entender.
O calendário
judaico é regido pela lua e o despontar da primeira
estrela marca o início de um novo dia, especialmente se
esse dia for o Shabat (3).
Antes da expulsão
da Espanha de 1492 e da conversão forçada de
Portugal de 1497 era comum que as crianças judias, ao
entardecer das sextas-feiras, ficassem procurando no
firmamento o brilho da primeira estrela, indicativa da
chegada de um dia muito especial.
Era a Estrela
D’Alva, também conhecida como Vésper, mas que, na
realidade, não é exatamente uma estrela, mas sim o
Planeta Vênus, que por brilhar com mais intensidade se
destaca dos outros corpos celestes.
Quem apontasse
primeiro provavelmente ganharia a admiração dos
mais velhos e, quem sabe até, algum presente.
De uma hora para
outra esse gesto simples passou a ser denunciador da
condição judaica e a primeira coisa que as precavidas
mamães fizeram foi assustar seus filhos com a
possibilidade do surgimento de uma baita verruga na
ponta do dedo.
A Inquisição,
felizmente, já acabou há bastante tempo, mas a crendice
ainda persiste em muitas regiões desse imenso
país. Por isso, não se preocupe quando vir uma
criança ou adulto apontando para o céu. Mesmo porque já
se sabe que as verrugas são causadas por vírus e os
dermatologistas dispõem de eficazes tratamentos para
erradicá-las.
OFERECER A BEBIDA
AO SANTO
É comum em muitos
bares e botequins de norte a sul do Brasil despejar no
chão o primeiro gole de aguardente, em sinal de respeito
“ao santo”.
Qual o
santo?
Nada mais nada
menos do que o nosso conhecido Eliyahu Hanavi
(4), o Profeta Elias da tradição judaica.
Nas mesas do
Seder (5) de Pessach (6) é costume
reservar um lugar para o Profeta, colocando-se um
prato, talheres e um cálice com o delicioso vinho
adocicado especialmente preparado para a ocasião.
Ninguém toca nesse
cálice, reservado para Elias. Diz-se que, a
cada ano, ele faz uma visita a todos os lares
judaicos durante o Pessach e não ficaria
bem encontrar seu cálice sem o precioso líquido. Com as
perseguições aos judeus, começou a ficar perigoso
mencionar o nome de Elias, que passou a ser chamado de
“santo”. De profeta para santo e de vinho
para pinga foi um pulo.
COVA DE SETE
PALMOS DE FUNDURA
O grande escritor
e poeta João Cabral de Melo Neto imortalizou nos versos
de “Morte e Vida Severina” a estrofe que fala de uma
cova com sete palmos de fundura.
É uma tradição
100% nordestina envolver as pessoas falecidas em uma
mortalha de linho, sepultando-a em
cova preparada em terra virgem com a
profundidade de sete palmos.
Também fazia parte
da tradição judaica ibérica, por ocasião da morte de um
ente querido, ao invés de sepultá-lo em um caixão,
revestir seu corpo em uma mortalha confeccionada
com algodão ou linho e enterrá-lo em uma
cova escavada igualmente em terra virgem e com os
mesmíssimos sete palmos de profundidade.
Os homens
costumavam ser sepultados envoltos no seu talit
(7), manto com franjas utilizado durante as
cerimônias religiosas. Coincidência? Nada disso. O
Nordeste foi colonizado por judeus,
gente!
ACENDER VELAS PARA
AS ALMAS
A cerimônia
doméstica do Shabat tem início logo após a
dona da casa ter acendido as duas velas do candelabro
ritual e pronunciado a benção própria para a ocasião.
Quando isso
acontece?
Um pouco antes do
pôr do sol das sextas-feiras.
Como driblar os
olheiros da Inquisição?
Acendendo velas
“para as almas”, além das sextas, também às
segundas-feiras. Pronto, estava resolvido o problema. O
acendimento das segundas-feiras era só para despistar e
o das sextas para valer. A moda de acender velas duas
vezes na semana pegou. Para felicidade das almas e
dos fabricantes de velas.
DIA NACIONAL DA
FAXINA
Em que dia da
semana os brasileiros costumam fazer a faxina e trocar a
roupa de cama e banho de suas
casas?
Pense bem antes de
responder: às segundas, terças, quartas ou
quintas-feiras?
Não acertou? Isso
mesmo, pois todos sabem que o dia nacional consagrado à
faxina é às sextas-feiras.
Você já questionou
o porquê desse dia?
Será que não tem
algo a ver com a preparação para o Shabat, que,
por uma estranha coincidência, também acontece ao
entardecer das sextas-feiras?
Mais uma
coincidência?
Não, tudo a ver
com um país que foi descoberto e colonizado por
israelitas, que precisaram esconder essa condição
durante muitos séculos para não serem denunciados,
perseguidos, torturados e mortos pela Inquisição, mas
que conseguiram transmitir para o restante da
população uma série de costumes, provérbios e princípios
que hoje em dia estão intimamente ligados ao próprio
estilo de vida do povo brasileiro, ao qual os judeus,
juntamente com os católicos, protestantes, muçulmanos,
evangélicos, espíritas, budistas, umbandistas e
agnósticos fazem questão, com muita honra,
de pertencer.
(1)- Kashrut
– Lei dietética
judaica
(2)- Taref
– Alimento impróprio para consumo pela lei dietética
judaica
(3)- Shabat
– Dia sagrado dos judeus, que vai do entardecer das
sextas-feiras ao mesmo período do dia
seguinte
(4)- Eliyahu
Hanavi – Nome hebraico do Profeta
Elias
(5)- Seder
– Mesa cerimonial para a celebração do Pessach, a
Páscoa Judaica
(6)- Pessach
– Celebração festiva da libertação dos Judeus do
jugo egípcio
(7)- Talit
– Manto cerimonial utilizado pelos homens no Shabat
e datas festivas
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